sábado, 1 de dezembro de 2018

No teu poema


Entro em teus poemas.
Carmen Silvia Presotto

eu entro no teu poema para conversar com teus versos
eu entro no teu poema como se tivesse intimidade
eu entro no teu poema para deitar os meus olhos castanhos na tua escritura 
eu entro no teu poema porque encontro a porta aberta
eu entro no teu poema para inventar versos só meus
eu entro no teu poema para não desistir de ser poeta
eu entro no teu poema porque tu ainda vives
eu entro no teu poema para fingir minha presença
eu entro no teu poema como se tivesse pleno domínio dele
eu entro no teu poema para que meus inimigos não me encontrem
eu entro no teu poema para me enroscar com tuas metáforas
eu entro no teu poema para me encontrar contigo
eu entro no teu poema para ocultar minhas lágrimas
eu entro no teu poema porque é o teu mundo
e lá encontro a pasárgada desejada pelos mortais. (07/11/18)



Ainda insisto



ainda serei escutado além das estrelas?
cá entre os mortais suplico tanto
nada vejo acontecer
o que eu vejo são realizações de outros desejos
de outras orações?
ainda serei escutado além das estrelas
por isso eu persisto com minhas súplicas
por isso eu persisto com meus desejos
pedindo bem ou mal ainda insisto. (05/11/18)








Manifesto para esses dias

o poeta se inspira
luta com palavras
se engasga com fonemas
fica entre metáforas
o poeta combate os desejos
acata-os
busca a realidade das coisas perdidas
encontra-as quando não as procura
sente-se perdido na rua deserta
volta-lhe a memória e seus passos se vão
o poeta é um, é dois, é mil porque é o que é
e mesmo que haja demora
a poesia não o deixa falando sozinho pelas ruas da cidade
quando ele fala sozinho é porque deita versos no vento
que lhe vem das distâncias trazendo-lhe recados das amadas
que não mais hão de voltar.











Nesta tarde



De mim me perco e me esqueço
volta-me à memória e sigo meu caminho
sem entender porque me perco e me esqueço
olho as mulheres nos olhos e imagino que elas me tem afetos
porque elas me destinam sorrisos no olhar
talvez não seja isso e o que será?
não irei segui-las com minhas indagações
nesta tarde de sol impiedoso.


O verso inicial é de Thiago de Mello

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Por bondade


Gosto de cair nos teus olhos
Estes olhos sempre verdes
Ficam grandes quando encontram o meu olhar
É por eles eu ouço a tua voz
É por eles que eu vejo o meu caminho escuro
A qualquer hora do dia
Não vejo nada mais em ti
Só tenho olhos para os teus olhos
Sempre verdes
Que por bondade se destinam a mim
Pobre e pecador degredado filho de Eva. (20/08/18).

Poema das sonoridades



minha sola absolveu o solo
minha sola em par de velhos sapatos
nas andanças pela cidade
atrás de ti
minha sola absolveu o solo
caiu na rotina
sob os meus pés
sobre o solo
minha sola absolveu o solo
fez-se solo no solado dos meus pés.(23/10/18)


O verso que se repete é de Arnaldo Antunes











Anunciação


Na boca do anjo
No ventre de Maria
O verbo
A voz de Deus
Tecendo seu filho
Na boca de Maria
Nos ouvidos do anjo
Na convicção de Deus
O sim
A sina
A profecia
E a mulher matriarcada. (09/04/18)


O cálice



O cálice sobre a mesa
Transborda vinho tinto
Sangue meu e teu?
O cálice sobre a mesa
Olho-o entristecido
Terei que bebê-lo todos os dias
E engolir o líquido petrificando-se na garganta
Não cantarei
Não rezarei
Pois quem podia afastá-lo de mim
Não o afastou
Por isso eu sangro
E o cálice não fica vazio
Sobre a mesa.








terça-feira, 2 de outubro de 2018

Essa negra


Essa negra é muito linda
Se ela desejar eu serei seu escravo
Regarei a sua flor para que ela não perca o viço
Essa negra é muito linda
Não sei de onde ela veio
Ela é diferente das negras daqui
Eu a quero para mim sem senzala
Livre como o condor
Essa negra é muito linda
Quero-a sentada sorrindo no meu falo
Com a nuca exposta chamando os meus lábios
E eles cativos farão as suas vontades. 



Teu vestido


o vento se move  por baixo do teu vestido
eu o quero para mim para que fiques nua
neste momento diante de mim
que tenho tantos desejos
invejo o vento que sobe e desce pelo teu corpo
sem te incomodar
meu olhar fixo em  ti nesta hora
em que o tempo passa te inquieta
e tu te vais destinando-me desprezos. 



Na cidade




Lá vai São Francisco louvando Nosso Senhor
Com seu traje bem sujinho
Cá estou eu com meu jeans desbotado e minha camiseta de brechó
Calçando os pés com sandálias de couro
Sendo transeunte na cidade
Sendo franciscano entre os mortais
Sendo irmão de todos numa única família
Louvando o irmão sol desta manhã
Falando ao vento:
-“o amor não é amado”
Meus irmãos em seus veículos todos apressados
Encostam em mim e gritam:
- Cala a boca louco!!

Esta noite




Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Não os quero ao meu lado
Não os quero diante dos meus olhos
Não os quero na minha cabeça nem nos meus papéis
Entrego-os ao vento que busca o mar
Fecho a janela
Apago a luz
E rendo-me ao sono que me ronda. (19/09/18)



O primeiro verso é de Pablo Neruda



sábado, 1 de setembro de 2018

Minha invenção


Madalena
Me dá Lena
Ela tá de acordo
Não sejas má
Esta menina nem é tua
Nem foi feita da tua costela
Ela é minha invenção Madalena.




Maria


Maria eu caio contigo em tentação
Caio fácil
Tropeço aqui
Acolá
E a queda é certa
Mas eu só caio
Se for contigo
Nos meus braços
Na viela
Naquela
Que o mundo esqueceu
Aí Maria eu me faço/desfaço
Em cima ou embaixo de ti. 

Outra quadrilha



Pedro o matemático entrou num triângulo amoroso
A bela adormecida despertou nos braços de Jacques Dozoma
Que deitava os olhos em Rousseau
Maria fugiu do convento mas não reencontrou Pablo
Jonh voltou dos estados unidos e ficou mais por fora
Do que bunda de índio. (16/08/18) 


Por bondade


Gosto de cair nos teus olhos
Estes olhos sempre verdes
Ficam grandes quando encontram o meu olhar
É por eles eu ouço a tua voz
É por eles que eu vejo o meu caminho escuro
A qualquer hora do dia
Não vejo nada mais em ti
Só tenho olhos para os teus olhos
Sempre verdes
Que por bondade se destinam a mim
Pobre e pecador degredado filho de Eva. 


quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Nesta manhã



O sol sobre a cidade
Sobre a mulher transeunte
No olhar do poeta
No novo dia
O sol nos meus cabelos brancos
Colorindo-os nesta manhã. (24/07/18)












Vício



Fim de novela
Tudo fica bem
Céu para uns
Inferno para outros
Telespectadores satisfeitos
Entre lágrimas e risos
Saudosos da novela que se vai
Uma outra vem
E o vicio persiste
Todo dia
Diante da televisão.

Naquela calçada




Eras tu naquela calçada
Eras tu naquela tarde de segunda-feira
Do mês de julho
Eras tu e eu nem pude olhar-te com calma
Porque eu estava passando com o tempo
Havia muita pressa em mim
E o tempo veloz nada me permitia
Sei que me entendes
Acredito que nem me vistes naquela calçada
Enquanto eu ia e tu vinhas. (16/07/18)




Naquela tarde



A mulher sentada com as pernas abertas
Fingia não ver o sol fazer festa no seu golpe
Iluminando sua caverna
O poeta achou prudente não habitá-la
Naquela tarde. (25/07/18)

domingo, 1 de julho de 2018

Desejo vespertino

















Estas tuas pernas
Esta tatuagem na tua panturrilha esquerda
No mesmo caminho do teu coração
Dão-me vontade de fazer rastros por onde andas
Dão-me vontade de encontrar-te e parar o tempo
Para que eu muito me demore contigo. (14/06/18)



Nos teus seios



Bebo o melhor dos vinhos
Nos cachos de uvas dos teus seios
Estas duas torres sempre expostas
Aos meus olhos sedentos
Que se saciam quando fechados
Porque minha boca os tem de posse. (25/06/18)

Em pensamentos




Não estou pensando em ti
Porque já é tarde
Entrego-me à outros afazeres neste momento vespertino
Ou penso em ti até quando não estou a pensar?
Não pensando penso
Vou-me sendo presença pelos caminhos
Existindo em mim
Em ti
Que nem me percebeu
No sinal vermelho
Recitando poemas aos transeuntes. (26/06/18)






sexta-feira, 1 de junho de 2018

Em tuas mãos


não esquecer quem está nas distâncias
tem sido minha sina
nada me diz o oráculo
a metafísica avoluma minhas indagações
nenhuma resposta conduzo nos meus alforges
vejo-me envelhecer contigo  na companhia da solidão
enfureço-me diante do espelho
rendo-me aos afagos das memórias
e adormeço com o teu retrato nas mãos. (15/05/18)




Encanto matinal


a princesa mostrou o pezinho
o plebeu  beijou-o
deu-lhe uma flor da sua aldeia
era manhã de sol e a princesinha sorria
a guarda real não gostou do que viu
pois  fim ao encanto matinal
e a majestadizinha se pós a chorar. (23/05/18)





Neste sábado


o ar se vai com o vento
fica de cócoras no tempo
desafia a lei da gravidade enquanto descansa
enquanto o poeta respira versos inéditos nos papiros
dos seus ancestrais
neste sábado matinal tão breve quanto o orgasmo
na vida dos mortais. (26/05/18)






Da minha aldeia


a cebola cortada
as lágrimas escorrendo nos cortes
sob os olhos verdes
da cortadora mais linda
da minha aldeia. (28/05/18)



terça-feira, 1 de maio de 2018

Sem lhe faltar


Ele lia Fernando Pessoa
Porque não tinha nada para comer
Eu almoçava em outra mesa com poucas quantias
E sabia isso dele
Dei-lhe uma maçã
Deixei-o comendo poesia lusitana
Sem lhe faltar a sobremesa. 

Manequim do shopping


minha musa é um manequim do shopping
apeguei-me a ela
tornei-me assíduo à loja onde ela está
fiz fotos
notei seu sorriso e sua simpatia por mim
nas diversas poses que fizemos
despertei o ciúme dela
vi-a perder a cabeça
ao ver-me com uma ninfeta
numa certa quarta-feira. 

Discurso do engano


nos meus olhos as lágrimas apago
acendo um sorriso
aqueço-me com uma canção
porque cantando te engano que sou feliz
e tu até te incomodas
pensando que eu já te esqueci . 

O primeiro verso é de Florbela Espanca



Balázio


a bala perdida
perfura
mata de imediato
mata mais tarde
dá um tempo e mata
a bala perdida
pesa no corpo
entorta o homem
faz gemer a criança
alarga o grito da mulher
a bala perdida
nunca se perde
só cai por terra sua vestimenta
encarnada de sangue. 



segunda-feira, 2 de abril de 2018

Leonora


Leonora ,és tu nestas sombras?
Em silêncio te apoias nos portais
Destas portas sempre abertas
Leonora,  estás aqui sem palavras
Não vejo tuas vestes, nem teus olhos
Acreditei que não vivias entre os mortais
Vendo-lhe nesta noite não lhe tenho temores
Leonora, estou a ler os teus lábios
um outro idioma chega aos meus ouvidos
Fumaste antes de vir aqui?
Tinhas esse vício?
Não o percebi no convívio que tínhamos
Leonora, não és  tu algo me diz
Leonora, Leonora já te vais?
Poe, poeta americano caminha  contigo
Exibindo-te um corvo. (23/03/18)


Verdes anos

a mulher do próximo
se aproxima
eu a quero muito
próxima a mim
a mulher do próximo já esteve nos meus braços
quando era mais jovem e solteira
eu brincava com ela no quintal
nos meus verdes anos
nos esquecíamos do tempo
mas ele passava e vozes mandavam-me  ir embora
meus lábios iam vermelhos dos beijos teus. 



Minha pátria


A minha pátria é onde está meu coração
A minha pátria é onde oculto meu tesouro
A minha pátria é a língua da flor
Na boca do beijo-flor
É a flor do Lácio entre fitas
Prendendo os cabelos da moça dos meus desejos
Que pátria real tenho diante dos meus olhos!!
Tão amada
E nada me dar
Nem um aceno

Minha voz


estiquei minha voz nos teus cabelos
deixei-a lamentando tua partida
deixei-a indo e vindo
com dizeres pelo teu corpo
não teve jeito
foste embora
e a minha voz exausta se aquieta
num silêncio que ainda persiste
em falar.

quinta-feira, 1 de março de 2018

Vinda





Ela veio a minha casa
Trouxe-me uma simpatia desconhecida por mim
Sentou-se  no meu sofá
Enquanto eu me balançava na minha cadeira
Com a mão direita sobre um livro
Ela interagiu com todos
Destinou-me tanto carinho que duvidei
Meu livro fechado sobre a minha coxa
Sob a minha mão
Assim acordei
Vendo-te sem te ver
E procurando-te sem te encontrar. 

Com minha poesia




A musa faz caminhos vendo o mar
Vejo seus pés na areia
É tanto mar e ela sorrir
O tempo passa
O vento passa
E a musa fica lendo poemas
Nas palmas das mãos
Sua voz no ar
Desejo-a nos meus ouvidos
Com a minha poesia. 

Na tua fala




O poeta suja-se de silêncio
Limpa- se com as palavras
Que buscam os rumos do poema
Para que elas façam barulhos
Na tua fala entre os mortais. 


Velozmenete




Em que estrela,amor,o teu riso estará cantando?
Indago espalhando os olhos no céu
Encho-os de tantas luzes
De tantos desejos que cabem no mar transbordando-o
Sigo um vulto pela areia
Crendo que estás nele
E o vento leva-o velozmente
Nem eu nem minhas indagações
Conseguem alcançá-lo.


O primeiro verso é de Mario Quintana. (28/02/18)

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Numa tarde



O pássaro da gravura
Fala pelas tintas
Doma palavras nas suas penas
Vai se esticando na linha
Que sai da mão do pintor
O pássaro da gravura
Fala ao poeta
Fala ao transeunte
Que se depara na galeria
Tecendo uma tarde.

Na parte da tarde

Inspirado numa gravura de Evandro Carlos Jardim, que gerou o livro A parte da Tarde de Fernando  Paixão


És um pássaro gigante
Ou o pintor agigantou a linha
Que te comporta?
Tens palavras entre as penas
Posso ouvi-las sob o céu alaranjado
Que te cobre
És um pássaro gigante
E o teu peso te impede de voar
Toda tarde ficas meditando
Ensaiando um voo
A casa distante te abriga
Ou tu ficas aí em linha reta
Pensando junto ao tempo?
És um pássaro gigante fincado ao solo
Metáfora de um avião
Com peso
Com palavras
Em posição de voo
Na parte da tarde.

Lenda



Conto-te uma lenda
Pela tua fenda
Se tua fenda
Vale mais que uma lenda
Dou -te cédulas de alto valor
Pelo abrigo da tua fenda
Que nas tabernas já é uma lenda.




Árduos combates

A cidade
O barulho
Os transeuntes
O poeta
Sua voz no ar
Sua poesia cai no chão
Ou em algum ouvido?
A cidade
O barulho
Os transeuntes
O poeta exausto
Dos árduos combates. 


segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Ah morena!

Ah se fosse minha!
Ah se fosse nossa!
Só não pode ser vossa
Essa morena que desce o beco
Rebolando o que lhe pertence
Sem querer dar para ninguém
Ah morena sem coração!
Eu cá em deleite por vê-la passar
E ela nem sabe
Se sabe não me dar atenção. 

Como bananas



a ação
delata
dilata
delata
na lata
aquece
a dele
a dela
a delação
proposta
pelos poderes
que apodrecem
como bananas. 

Tua certeza

indaguei se ainda ias me ver
respondeste-me tal qual o corvo
o black bird de Allan Poe:
-nunca mais
cobri o rosto com as mãos
afaguei meus olhos com os dedos
guardei as mãos nos bolsos
e segui meu caminho duvidando da tua certeza. 



Por um momento



Zangaste-me ontem
Não me foste sincera
Andei pela casa
Fui a janela e respirei intensamente
Enquanto olhava a rua
Senti-me mais calmo
E por estar calmo
Entendi que nem a verdade
Eu tenho o direito de cobrar-te.