segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Nas águas

o amor segue as águas do rio Acaraú
tudo se vai com as águas
até o tempo
até o meu corpo e o teu
as águas se encontram
os corpos se encontram
propondo uma unidade
quando achamos que findou nossa jornada
outra partida se renova
o destino é o mar
e nada se cansa de partir
ou de chegar.  

Por um triz

quase morri
quase perdi a perna direita
sobre a terra
sob o céu
quase isso
quase aquilo
sobrevivi
para escrever ou para contar o acontecido?

No tecido da manhã

todos dormem
ouço seus roncos enquanto ando pela casa
cá estou eu insone
sento-me olho os livros na estante
pego o livro mais próximo como se eu fosse lê-lo
os galos cantam já é madrugada
rendem-se ao silêncio
como o sono não vem
balanço-me na minha cadeira de balanço
até os galos tecerem a manhã.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Por nada entender



vi os algarismos e os ponteiros do meu relógio caindo no chão
gritei pelo meu relojoeiro mas ele está tão longe
o tempo parou mas para quem?
os sinos não estão a dobrar
já é meio dia e esse sonho não me sai da cabeça
leio meu pulso sem o passar do tempo
para quem o tempo parou?
penso nos meus
o enigma persiste
deito - o entre palavras
por nada entender.

Discurso do desejo


eu não quero viver no teu esquecimento
nem no teu lembrar
eu quero é viver no perigo que a vida é
quando constatares que eu não estou mais aqui
é porque fui plantado na terra
que eu vire árvore e tu me reconheças
nas sombras dos meus galhos sobre a terra
ou sobre um andarilho pesado de cansaço. 

Entre as tuas palavras


não sou sacerdote mas osculo a vossa palavra
faço súplicas
ergo - a para o alto como se fosse alcançar o infinito
fecho o livro
mas antes deixo um beijo entre as tuas palavras
volto os olhos para o céu e respiro 
enquanto o vento brinca nas minhas narinas.

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Naquela noite

eu não esperava ninguém naquela noite
veio - me a poesia
deitei os olhos sobre ela
mesmo insone deitei - me
no meu leito de palavras. 

Nesta noite


não espero ninguém nesta noite
também não estou triste
meu primogênito está no quarto
minha esposa dorme
meu ultimogênito foi embora
não quis mais viver sob minha asa
eu cá estou insone
já é tarde e os cães latem
o que isso sinaliza?
os latidos persistem nesta noite
na qual estou insone
e não espero ninguém. 

Discurso da traição


judas
pedro
eu e todos eles
somos todos traidores
as lágrimas
o arrependimento
o remorso
nos afastam da forca
que nós improvisamos nas alturas
clamando por nossos pescoços medrosos
o propósito da traição de judas está no livro sagrado
quanto a nós o propósito há
está escrito ou nós o escreveremos
no livro dos nossos pecados sob os olhos de Deus?

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Poema ofegante II


sob o sol
ofega
a afegã
sob a burca
uma mulher conspurcada
pela mão
pela ideologia
do seu algoz
vejo os olhos da mulher
a burca entristece - os
olho - a indo sob tantos tecidos
tecendo distâncias pelo caminho.  

Poema ofegante I



burca na terra
burca sob o sol
mulher emburcada?
a vida embutida na burca
mulher com burca vive
mulher sem burca morre
pode-se emborcar a burca?
mulher com burca é conspurcada
Sob o sol
sobre a terra
ofega
a afegã vence o algoz
insubmissa a burca.  

Para ficar


Não venha mais deitar seus olhos sobre os meus
Não venha mais se ocultar no meu corpo
Não venha mais se esticar nas linhas dos meus versos
Não venha mais tatuar suas memórias nas minhas costas
Não venha mais molhar minha face com suas lágrimas
Não venha mais pelos meus caminhos diletos
Não venha mais comer meu falo e minha fala
Não venha mais iluminar minhas trevas
Não venha mais me deixar insone
Não venha mais se não for para ficar. 

terça-feira, 3 de agosto de 2021

Sob o céu da pátria armada


sob o céu da pátria armada o amor padece
a bala no ar sempre encontra o que procura
a bala pesa no ar?
faz volume no espaço?
faz estrago
pôe fim ao que desejava continuar
sob o céu da pátria armada
o hino que balança as bandeiras
não é cantado pelos mortais
as armas assumem o comando
e cantam intensamente na terra sob o céu
onde o amor pouco suspira.  

Sob a cruz


muitas vezes gemi no meio da noite
e tu me olhavas crucificado
fiquei insone e solitário olhando o pulso e os ponteiros
correndo entre os números do relógio
dores me dominavam
o tempo passando
sentia sua passagem
a luz do novo dia caia sobre mim
alegrei-me porque ainda havia vida em mim
e a esperança acenando-me
enquanto me ergo. 

Poema a gosto


na fila olho a mulher do próximo
longe de mim
vejo- a de perfil
vejo- a de costas
seus cabelos negros alcançam - lhe a bunda
provida de beleza sob o short jeans azul. 

sexta-feira, 2 de julho de 2021

Minha realidade


desejo escrever poemas até a última respiração
minha realidade é poética
mas onde está o primeiro verso?
pego a caneta
abro o caderninho e deito os olhos na folha em branco
já é madrugada e ainda não veio nenhum fonema
cá estou e a poesia também
mas não a vejo no tudo poético do existir. 

Das linhas de um salmo sabático


meu sacrifício é minha alma penitente
levo- a pelas ruas da cidade
minha alma penitente é a minha mensagem
vejam- me
leiam minha alma
mostrei- a a Deus em um dos sábados do mês de junho
era quase meio dia
no templo cantei alto
o sacerdote ouviu minha voz
e a minha alma penitente se foi contente
levando o sorriso dos olhos do reverendo.

O primeiro verso pertence ao salmo 50

Entre os mortais


pão na rua
pão na calçada
pão no lixo
pão dormido
pão que sobrou
pão que faltou
aqui
ali
acolá
vejo esse pão que falta
vejo esse pão que sobra
indo ou vindo
entre os mortais. 

quinta-feira, 3 de junho de 2021

Cantiga

 

Essa dor que trago comigo

É velha companheira

Rival da solidão que não sai de mim

Fazendo ritmo e canção

Que não tocará no rádio

Ouvirás cada verso da cantiga

No meu corpo

Quando me encontrares. (14/11/12) 

 

minha poesia



Que a minha poesia alcance as almas
Dos meus leitores
Que as minhas musas me possuam sempre
Para que nenhum poema fique
Na incerta espera
E eu não tenha que lhe dizer :
-Venha depois. (29/01/14)

Indagações de um corpo pecador ao corpo divino de Jesus



teço indagações nos meus dias
algumas eu respondo
outras os outros me dizem
assim vou vivendo entre a cruz e a espada
entre fé e lutas
mais lutas do que fé ou mais fé do que lutas?
mais uma pergunta carecendo de uma resposta
dada por mim ou por alguém
deste ou de outro mundo.

sábado, 1 de maio de 2021

Dias finitos


o rio da minha geografia é o rio Acaraú
veio vindo fez morada por aqui
mas suas águas são andarilhas moram em diversos lugares
indo por fim ser infinitas no mar
o rio da minha geografia é o rio Acaraú
resistiu mas seu espaço abriga essa nova arquitetura do progresso
as vezes fica furioso e diz quem manda na cidade
estou envelhecendo e o rio também
domaram suas margens e a poluição sufoca os seus dias finitos.

Por instantes


super lua rosa
lua cheia
bolacha fogosa que se exibe nua aos olhos dos famintos
super lua rosa cheia
abóbora andante no céu de abril
lua rosa super ciosa aos olhos que se desnudam para ti
os olhos fixos nas alturas onde estás
esquecem por instantes os sofreres cá por baixo.

Junto ao tempo

não toco instrumentos mas eu canto
fiz meus filhos dormirem com minhas canções diletas
agora os meus filhos são homens feitos
tocam instrumentos e cantam para mim
que envelheço junto ao tempo. 

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Outra vez

 teu olhar

tua fantasia

a folia que não tivemos

hoje são cinzas

ilusões ao vento

ano que vem talvez folia

talvez carnaval

talvez vida e alegria

mas sempre vem a quarta-feira

tudo silencia

tudo volta ao pó outra vez.


Das linhas de Gilberto Gil

 grão é semente

semeia-se no chão

grão solitário

dão frutos

são

estão

na terra sob o céu

grão

dão filhos

e os filhos são 

sãos

estão por aí

seguindo seus destinos

sendo sementes

na dura existência

por sorte dura

entre os mortais.


Aqui está

 a vida lateja em mim

o medo da morte

se faz parceiro

pesando nos meus ossos

durmo

acordo

e o medo aqui está.

quarta-feira, 3 de março de 2021

Proposta de poema


agora eu sou a poesia que não se escreve
nem se inscreve
longe dos meus papéis e esferográficas sinto - me inútil
bem mais que minha poesia
bem mais que os dias que vem e vão
Agora eu sou extrema inutilidade. (04/02/21)

Tecedor dos dias



contei os dias

fiquei ansioso

não fui feliz

veio o dia esperado e a decepção indesejada

agora passo como passam os dias

nada mais espero

teço dias agradáveis

e o tempo se quiser que passe. (16/01/21)

Discurso do pulso



mais de um mês sem ver teu rosto negro entre números romanos

mais de um mês sem teu peso no meu pulso

mais de um mês longe do teu olhar no meu

mais de um mês sem passar o tempo contigo

mais de um mês eu não sei com tu passas sem mim

mais de um mês e o tempo passa

sem minha atenção

antes tão atenta. (13/02/21)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Socraticamente

o tempo passa
o ano passa
eu passo
tu passas
e as malas batem
o que era novo fica velho
tecemos despedidas
o ano que virá será novo ou repetirá cenas do cotidiano
diante dos mortais?
vem-nos a metafísica
indagações de plantão
e eu só sei que nada sei. 

Até que ele venha II



suja

limpa

limpa

suja

até que finde o tempo

até que finde a respiração

e nos venha o grande sono. 

Até que ele venha I


 deito-me

falta-me o sono dileto

volto para a sala

fico entre livros

o vento da meia noite me encontra lendo

fecho o livro e fico a sentir

essa delícia eólica.