quinta-feira, 10 de junho de 2010

Ofélia





Dizei-me em que lago ou rio
jaz a inamovível Ofélia.

Ofélia, a louca, afogou-se.

Ofélia, a louca, em que lago
ou rio de correnteza,
entre sebes afogou-se?
Entre estrelas, orvalho, espuma
afogou-se a bela Ofélia?

Lua de alvo palor,
dá-me notícia de Ofélia
que por amor, só por amor,
levada na correnteza,
como um círio, um cisne, uma pétala
entre lágrimas afogou-se.

Dá-me notícias o vento?
Nem a fonte sussurrante
viu passar a louca Ofélia?
A doce pomba no abrigo?

Nem os pássaros viajantes
dão-me notícia de Ofélia?
Pelos bosques afagantes
não passou a pálida Ofélia?

Corvos da noite, gralhas, tempestades
que varrem as nuvens, por acaso,
não vistes um grão, um só grão
do corpo úmido de Ofélia?

Voa incerto sobre cerros,
planícies, desfiladeiros,
o corpo álgido de Ofélia?

Se, em verdade, Ofélia é morta
à penugem fatal do amanhecer.

Dizei-me se à vespertina luz
Ofélia, a louca, apodrece.

Dizei-me, ó sopro da tarde,
se Ofélia, a louca, repousa
em pântano resplandecente.

Dizei-me se ouço a voz dela
que só aos deuses é dado ouvir
seu nome apenas; dizei-me
se não é de anjos essa voz flutuante
na vaga do céu descorado.

José Alcides Pinto

Unicórnio Dourado




O mar não é tema: tema é o ar do mar.

A poesia é didática - luz
sobre a história e esquecidos altares.
Toda estética; toda, puericultura
lagos oceânicos; ilhas, promontórios
as cidades primevas, o sangue dos heróis
tudo fica muito aquém e além de tuas caldeiras.
De tuas membranas, de tuas
álgidas montanhas marinhas
surge o unicórnio dourado
carregado de sonho e solidão.
E sobre as ondas aquece-se; talvez
esquecido do tempo; a que fim
este unicórnio soçobra-se de mim?

Plumas e pratas patas - unicórnio
um e único - mar
oh soberano rei dos sorvedouros!


José Alcides Pinto


terça-feira, 8 de junho de 2010

Diário de Berenice








Seu homem era belo e forte tinha cabelos

compridos que lhe chegavam aos ombros.

As mãos grossas e macias percorriam-lhe o corpo

e detinha-se nas virilhas latejantes.Tinham o mesmo

calor do sol que irradiava sobre a terra.Fechavam-se

com fúria sobre suas nádegas,como se elas fossem

um fruto a que se pretendesse tirar todo o sumo de

uma só vez.Era o segundo homem que possuíra.O

primeiro foi levado pelas ondas numa noite de tempestade.

(José Alcides Pinto-Diário de Berenice-(p.29)

.






segunda-feira, 7 de junho de 2010

Da inutilidade do tempo


A

José Telles

Estou só no mundo

e não me chamo Raimundo

como Drummond dizia

digo eu: um dia é outro

e o mesmo dia.

E esses dias somados

a troco de vintém:

não servem para mim

nem para ti ninguém.

Não servem para nada

nem pra dar nem vender:

são dias emprestados

a troco de viver.

Mais um dia que passa

sem parar se deter:

nessa doída corrida

sem saber pra quê.

E onde isso vai dá?

O saber que importa:

esteja aberta ou fechada

a porta é a mesma porta

por onde se entra e não sai

tal qual uma sepultura:

como se jogassem fora

a chave e a fechadura.

José Alcides Pinto-O algodão dos teus seios morenos(p.27)

terça-feira, 1 de junho de 2010

Afirmação


Para José Alcides pinto

O paletó do poeta maldito

Ondeia no ar.

Lúcifer canta pendurado na gravata

e a mulher de preto dança nos bolsos.

Versos se esticam no varal do vento

alcançando o corpo da poesia.

Vozes invisíveis bordam o infinito

a estampa diz que o poeta está vivo.(09/05/10)

Queixa II


Natércia, não conheci seu pai.

Não a conheci também.

O tempo cruel

Prendeu-me entre palavras e metáforas.

Impediu-me de vê-la entre os mortais.

Negou-me o toque das suas mãos

e a memória da sua voz.(03/06/04)

Paisagem


Para Charlene Ximenes


Seu sorriso tece minha manhã

e seu corpo ainda completa a paisagem

da foto que permanece na tela do computador

aguçando minha memória

que tem muita coisa para lembrar

e para esquecer. (28/05/10)