terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
Do tempo
O tempo destrói os retratos na parede
O tempo destrói as confidências nas gavetas
O tempo destrói os olhos do poeta
O tempo destrói os corpos ciosos
O tempo destrói os lençóis
O tempo destrói o vento
O tempo destrói o clamor dos homens
O tempo destrói as palavras
O tempo destrói o mar e os navios
O tempo destrói o cais
O tempo destrói o silêncio
O tempo destrói a toga da justiça
O tempo destrói a barba do profeta
O tempo destrói as vestes de Lúcifer
O tempo destrói o próprio tempo...
EM COMUM
Nós, homens de letras e palavras
Fomos feridos pelas mãos carrascas do tempo
Caminhamos entre os nossos contemporâneos
Como se as nossas chagas intraduzíveis
Estivessem ocultas.
Querem que falemos de nós.
Querem que sejamos específicos, objetivos.
Querem que mudemos a expressão dos olhos e da face.
Nos negamos às falácias e às vontades alheias.
Os nossos enigmas são nossos.
Tornaram-se bens, propriedades privadas de nossa essência
Não podemos partilhá-los com ninguém
É o que nos restou dos árduos combates...
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Enquanto a morte não vem
Perco-me no verde dos seus olhos
Enquanto a morte não vem
Sinto seu cheiro nesta tarde
Enquanto a morte não vem
Relembro seu olhar
Enquanto a morte não vem
Leio o livro que me deste
Enquanto a morte não vem
Deslizo os dedos nos seus cabelos
Enquanto a morte não vem
Beijo-lhe demoradamente
Enquanto a morte não vem
Deixo-lhe ir aos prantos
Mas digo-lhe volte amanhã
Enquanto a morte não vem.(04/01/10)
Proposta
Deixe-me ser sua gueixa
Alegrarei os seus dias
Tornarei leve os seus fardos.
Deixe-me ser sua gueixa
Alisarei seus cabelos
E lhe contarei histórias
Para que durmas.
Deixe-me ser sua gueixa
Ouvirei seus lamentos
E não deixarei que eles
Abram feridas em sua pele.
Deixe-me ser sua gueixa
Submissa/insubmissa
Mais leal que seu cachorro.
Deixe-me ser sua gueixa
Na sua ausência
Na sua presença
Até que a morte nos separe...(13/01/10)
Rotina
Destino-lhe meu olhar
Não o percebes
Clamo por ti
Não me ouves
Este ritual se reitera
A cada novo dia
Acrescentei-o às minhas rotinas
Para que o desejo de tê-la persista
Na incerteza que me revelas.(19/12/09)
A ti
Ai de ti
Haiti
A dor
Globalizou-se
Estamos todos
Condenados
Os algozes se avolumam
Nas diversidades dos idiomas
Ai
De
Ti
Ai de nós
Haiti. (10/02/10)
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Pêndulo
Oscilamos entre o riso e a dor
Entre o dia e a noite,
Entre os dedos do tempo...
A lua nos olha com piedade
E nos eterniza entre os mortais...
Indiferença
O morto está indiferente a tudo.
Para ele nada mais importa:
Os livros,
O último jornal,
A cadeira de balanço torta...
Que fiquem a lamentar
Nos seus cantos...
SERENAMENTE
Tudo jaz no campo-santo
Tudo está em paz no campo-santo
Os ventos brincam entre os jazigos
As folhas murcham caem
Serenamente sobre a terra
Que come os sonhos, as ilusões,
Os corpos, os sexos....
Musa
Para Joyce Mesquita
Transformei-os em palavras belas
Deixei-as nas linhas dos versos
Só para dizer e digo
Que careço de ti
Para materializar a poesia. (19/09/07)
Aviso
A tristeza veio me dizer
Que a alegria virá
No verdor dos seus olhos
Nos caracóis dos seus cabelos
Na maciez do seu corpo
Que me cobrirá nesta noite.
Queixa
Natércia, não conheci seu pai
Não a conheci também
O tempo cruel
Prendeu-me entre palavras e metáforas
Impediu-me de vê-la entre os mortais
Negou-me o toque das suas mãos
E a memória da sua voz.(03/06/04)