quarta-feira, 4 de maio de 2022

Na memória



na moldura relógios derretem-se
sob o sol
ou sob as nuvens?
leio-os enquanto se derretem
afago-os na pintura
vejo-me findando
sob o sol
sob o céu.

Acontecimento matinal



andando pela casa ouvi um estalo
busquei aquele som com os olhos
vi uma barata em linha reta que se desenhou no piso
sem intencionar interrompi a jornada do inseto. 

Das linhas de James Joyce



frágil rosa branca e frágil
a mão que a estende
a vi branca como a rosa
a vi com veias rosadas
palmas delicadas
li suas linhas na ventania
entre nós tudo se vestiu de enigmas
e o silêncio se apossou de mim
enquanto meu olhar se deleitava no teu sorriso.
Os dois versos iniciais são de James Joyce

Nascedouro I



Eu tenho um poema na garganta
Que não se faz fala
Eu tenho um poema no desejo
Que não se realiza
Eu tenho um poema no silêncio
Que se nega ao barulho
Eu tenho um poema no olhar
Que não se deita no papel
Eu tenho um poema no fim do abismo
Quem irá lá buscá-lo?
Eu tenho um poema sujo
Que teme fazer alardes
Eu tenho um poema em gestação
Na minha solidão ele se encorpa
Eu tenho um poema que não chegará
No tempo previsto
Eu tenho um poema no bolso do jeans
Bolso raso
Poema profundo?
Finda o dia e eu tenho um poema
Que de mim não sai.