sábado, 5 de agosto de 2023

De um dizer



Que coisa é a formosura, senão uma caveira bem-vestida (...) Pe. Antônio Vieira

ludo-me com as caveiras enfeitadas
vejo beleza nisso
iludo-me com as caveiras enfeitadas
deito-me com elas
caio em suas ciladas
iludo-me com as caveiras enfeitadas
diante delas não domino a razão
a loucura se agiganta em mim
qual sermão me salvará?
qual sacerdote me acolherá em sua misericórdia?
abro os ouvidos, busco suas vozes
nada ouço
meu bom padre Antônio Vieira, vinde socorrer-me
iludido estou e não fujo das caveiras enfeitadas
como o diabo foge da cruz. 

Na parede da sala



os dias
as noites
os meses
os anos
no calendário
na madeira
da cruz de Cristo
na parede da sala.

Perspectivas



os prédios olham de cima para baixo
os ônibus lotados de falas e fonemas
os transeuntes com pressas involuntárias
e o poeta bêbado equilibrando-se no paralelepipedo
os prédios olham de cima para baixo
a moça manca na faixa de pedestre
os veículos se aproximando
os passos apressados
os prédios olham de cima para baixo
erectos como se fossem falos
nenhuma curva em suas linhas
bem fincadas no solo
os prédios olham de cima para baixo
o dia vindo
a noite chegando
o tempo passando
os prédios olham de cima para baixo
a freira ciosa
a adúltera transbordando desejos pelos poros
e um tarado se reprimindo bem distante
os prédios olham de cima para baixo
dois loucos deduzindo tudo
olhando de baixo para cima
desatentos a vida e a morte. (25\07\23) Fortaleza

Ao gosto



agosto
a gosto
no tempero
no amor plural
agosto
a gosto
nos pratos
nos paladares
agosto
a gosto
nos olhares
nas bocas
nos corpos ciosos
agosto
a gosto
no bom gosto
até o fim. (01\08\23)