quinta-feira, 3 de outubro de 2024

no tempo



setembro findando
a vida resistindo nas garras da morte
setembro findando
cabelos ao vento no tempo que passa
setembro findando
e eu tenho uma rosa linda nas mãos
setembro findando
e nos anuncia um novo mês
setembro findando
na minha e na tua vida
setembro findando
vícios novos e antigos persistem
setembro findando
mas tudo continua
porque a vida ainda não se rendeu. 

Das linhas lusitanas

 



Despe-te só para mim

Por favor, diz que o fazes. Nuno Guimarães



meu bem já podes vir me ver

sobral é uma cidade quente

não sentirás frio ao despir-se para mim

venha querida sem medo desnudar -se para mim

deves -me isso

lembra-te dessa promessa sob a lua cheia?

venha querida durante o dia ou durante a noite

minha cidade não esfria

desnude-se para mim meu anjo

pagarás tua promessa e não te sentirás mal

porque eu a banharei com água dormida. (23\09\24)

 

 

Poema de face (In)existente

 



quando eu nasci disseram-me que um anjo me guardava dos males

cai, levantei, não senti suas mãos me erguendo

os abismos me seduziram fiquei só por lá

fui gauche?

fui

fui pela vida

fui

tinha a morte na minha sina?

tinha

e o anjo que devia me guardar

nunca me seguiu os passos

nunca soube seu nome

nem se era torto como eu

e a sua voz não me chegou aos ouvidos. (02\10\24)

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Na sina do pedinte



quem pede recebe
não
sim
ou talvez
quem pede recebe
leva algo na memória
sim
não
ou talvez
quem pede recebe
vai-se levando na bagagem
sim
não
ou talvez.

Entre nós



entre nós as mesmas coisas
o mesmo círculo vicioso das metáforas e da poesia
entre nós o mesmo vinho do porto
que eu só encontro em tua casa
entre nós as mesmas falas e os mesmos poetas diletos
entre nós o tempo passa, a tarde cai, vem a noite
entre nós se ergue a despedida
preciso ir e seguir minha sina
a poesia do nosso encontro me chama
deitá-la-ei numa folha de papel em branco
antes de me entregar ao sono.

De um ponto




o bico do peito num ponto de vista

o bico do peito no ponto da vista

o bico do peito é uma ponta ou aponta?

o bico do peito em linha reta tem direção certeira?

o bico do peito no dizer do vento é uma seta

o bico do peito exposto ou sob as vestes existe

quer o olhemos ou não

o bico do peito é um dedo em riste

aponta para mim ou para ti?

eis o mistério? 

sábado, 3 de agosto de 2024

Discurso ocidental



a espada e a cruz
a cruz e a espada
apossaram-se de mim
encheram-me medos
deram-me culpas e pecados
a espada e a cruz
a cruz e a espada
invadiram os mares
dominaram os povos
vestiram-nos com suas vestes
deram-nos suas imagens e semelhanças
a espada e a cruz
a cruz e a espada
guiaram mãos
guiaram vidas
conduziram-nos aos braços da morte
a espada e a cruz
a cruz e a espada
ecoaram no ocidente
o discurso dos podres poderes.

Na bike I



girando a catraca saio do lugar
girando a catraca pedalo mais vezes
girando a catraca vejo novas coisas
nos mesmos caminhos
girando a catraca vejo seu corpo em movimento
nos vemos passando um pelo outro?
girando a catraca irmano-me ao sol, ao vento
aceno aos pássaros no céu da longa estrada
girando a catraca levo-me a outra cidade
onde sou recebido como filho dileto
girando a catraca desenho despedidas
com promessas de um breve retorno
girando a catraca volto para casa
com muitas fotos e coisas novas para dizer. 

Depois dda canção



meu coração bate
bate a tua porta
meu coração bate sob a tua mão
meu coração bate encostado no teu rosto
meu coração bate próximo ao teu
meu coração bate feliz
porque bate, bate
e nunca apanha. 

Na bike II



giro a catraca e rezo pelo mortos
sob as cruzes fincadas na terra
giro a catraca e avisto a longa estrada
que se encurta a cada pedalada
giro a catraca e o tempo passa
trazendo-me o sol do novo dia
giro a catraca e os galos cantam
uma cantiga que eu não me atrevo a cantar
giro a catraca e o novo dia teceu a manhã
que faz sombras sobre mim
giro a catraca e já estou em casa
desejando uma nova jornada. 

domingo, 7 de julho de 2024

Poema dolente





o que eu não falei

dói-me

o que eu falei

dói-me

a solidão que não me abandona

nem quando estou contigo

dói-me

esse silêncio matinal

dói-me

a minha e a tua tristeza

dói-me

um poema sufocando outro

dói-me

um poema que não se conclui

dói-me

dói-me este dia

e por que não doeria o poema? (28\06\24)



Dizeres para a princesa do norte

 



Sobral faz aninhos

e eu bebo vinho do porto na casa do poeta Ferreira Lima

Sobral faz aninhos

e eu desço a rua Domingos Olímpio

Sobral faz aninhos

e eu vejo o tempo passar no beco do cotovelo

Sobral faz aninhos

e eu ando pela cidade com novas feições

Sobral faz aninhos

e eu deito versos no vento

Sobral faz aninhos

e eu fico a escutar sílabas eólicas

Sobral faz aninhos

e eu envelheço junto a cidade

Sobral faz aninhos

e o céu bonito me diz que vai chover

Sobral faz aninhos

e o sol volta outra vez

Sobral faz aninhos

e o silêncio do feriado nas ruas me invade

mas tudo é festa e há festa em tudo. (05\07\24)

Até que eu volte



baby, tu ainda dormes

e eu estou na estrada

longa estrada sobre uma bicicleta

baby, tu ainda dormes

e o calor do meu corpo ficou ao teu lado

aquecendo-te até que eu volte. (07\07\24)

sexta-feira, 7 de junho de 2024

Mortalha

 

Escolhi minha mortalha

Usei -a entre os mortais

Usei-a sem pagar promessas

Fui franciscano por vários dias

Sinto que ainda o sou por este mundo

Meu epitáfio um dia escreverei

Tomara que dê tempo

Antes da morte chegar. (06\05\24) 

Revelação matinal

 

O poeta olha o tempo pela janela aberta

Come uma banana doce como os lábios de Iracema

Seu olhar alcança distâncias

Depara-se com o infinito

Onde tudo finda. (03\05\24)

 

Nova jornada

 

Sob o sol envelheci

Sob o céu compreendi o que é infinito

No mar constatei o que aprendi sob o céu

Minhas andanças concluem ciclos

A esperança faze-me dar novas passadas

Na longa estrada na qual deito os olhos

Contando sessenta anos

Encetando uma nova jornada. (17\05\24)

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Metáfora matinal

 



sentir o mundo

sentir-me

todo sentimento

que couber em mim

sentir sempre

o tempo todo

e transbordar o cálice

como se vinho fosse. .

Discurso do meu olhar

 



baby, tira os olhos do celular

e deita-os em mim

navegue na minha nau de desejos

leia minhas lendas

decifre minhas imagens

fixa esse olhar perdido no meu rosto

baby, o tempo passou

o dia terminou

envelhecemos sob o céu

e nem me percebeste.

Revelação matinal

 

O poeta olha o tempo pela janela aberta


Come uma banana doce como os lábios de mel de Iracema

Seu olhar alcança distâncias

Depara-se com o infinito

Onde tudo finda. 

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Revelação vespertina

 Espelho, amigo verdadeiro


Venho a ti com o meu olhar de agora

Tu me revelas como estou

Não me ocultas nada

Afago meu rosto diante de ti

Sondo o que me exibes

De nada discordo

Deslizo os dedos nos cabelos brancos

E me vou sem mágoas do meu amigo.



O verso que inicia o poema é de Manuel Bandeira  

Saber matinal

 

o vento sabe meu nome

leva-o aos teus ouvidos

o vento sabe meu nome

e levanta tua saia

o vento sabe meu nome

e brinca nos teus cabelos

o vento sabe meu nome

desliza-o no teu corpo

o vento sabe meu nome

e isso me basta. 

 

O verso que se repete serve de título ao livro de Izabel Allende 

 

 

 

Palimpsesto vespertino

 



tudo jaz

porque a profecia se cumpriu

nem uma sílaba foi poupada da promessa

as dores do céu se irmanaram as dores da terra

não ficou pedra sobre pedra

e as que tinham garganta gritaram.

sexta-feira, 8 de março de 2024

Na parede

um prego no espelho

segura-o na parede

conta uma história

como se fosse um livro

um prego no espelho

sem moldura

fica alto do chão

um prego no espelho

brilha como se fosse um olho

vendo tudo envelhecer diante de si. (19\02\24) 

 

Saber matinal

 


o vento sabe meu nome

leva-o aos teus ouvidos

o vento sabe meu nome

e levanta tua saia

o vento sabe meu nome

e brinca nos teus cabelos

o vento sabe meu nome

desliza-o no teu corpo

o vento sabe meu nome

e isso me basta. (07\03\24)



O verso que se repete serve de título ao livro de Izabel Allende 

 

inominavel





o que eu sinto não tem nome

sinto apenas

sinto muito

não sei por que sinto algo inominável

neste dia oito de março

cubro-me de indagações

amparo-me na lógica

e nada concluo

e nada tenho como resposta. (08\03\24)

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

De fato



data de nascimento
data de morte
começo e fim
realidade que nos torna iguais
nos sete palmos de terra
onde repousamos de fato. (01\02\24)


Na esquina



vi o travesti sob o céu noturno
de pé ereto na esquina
como se fosse um poste
sendo a metáfora de um falo
transeuntes olham-no com estranheza
carros vão e vem no tempo que passa
o travesti não tem relógio no pulso
mas doma o tempo na sua longa espera.

O poema



não tenhas medo, ouve:
é um poema
leva-o no teu coração
ou na tua memória
aproxima-te de mim
eu sou apenas um poeta
trago poemas nos bolsos
jogo-os no ar como se fossem pombos
vejo-os cair no chão da cidade
longe dos teus olhos
ignorados pelos transeuntes.

Os dois versos que iniciam o poema são de Miguel Torga

sábado, 6 de janeiro de 2024

Era um garoto negro como eu



era apenas um garoto mijando ao lado de um carro
era um garoto mijando em Mississipi
um garoto negro
negro como a noite
mijando o dia de Mississipi
deteram o garoto na viatura
condenaram-no por verter água
traumatizaram sua vida por inteiro
Mississipi vai pagar por isso?
era apenas um garoto negro como eu
que fez xixi em Mississipi. ( 16\12\23)

Ao grande - kiskadi



bem te vi
bem-te-vi
bem te ouvi
apresentou- se a mim sem alcunhas
nesta manhã
bem-te-vi
bem te vi
chegaste sem rodeios
ficaste dizendo-me quem tu és
e quando te foi conveniente
foste embora. (19\12\23)

Noite (in)feliz



noite feliz
só que não
guerras no ar
inocentes mortos em Gaza
excessos e faltas nos lares
nessa dialética o tempo passa
a cidade pisca com suas luzes
e o menino Jesus sempre vem
com ou sem manjedoura. 

Nos meus olhos



vejo manequins decapitadas no shopping
ou elas perdem a cabeça quando me veem?
hoje ao entrar numa loja
uma manequim branca como a neve
exibiu -me os seios pequenos
apontados para mim como se fosse um dedo em riste
fui até eles e cobri-os para que aquela beleza
não caísse em outros olhos. (23\12\23)