domingo, 7 de julho de 2024

Poema dolente





o que eu não falei

dói-me

o que eu falei

dói-me

a solidão que não me abandona

nem quando estou contigo

dói-me

esse silêncio matinal

dói-me

a minha e a tua tristeza

dói-me

um poema sufocando outro

dói-me

um poema que não se conclui

dói-me

dói-me este dia

e por que não doeria o poema? (28\06\24)



Dizeres para a princesa do norte

 



Sobral faz aninhos

e eu bebo vinho do porto na casa do poeta Ferreira Lima

Sobral faz aninhos

e eu desço a rua Domingos Olímpio

Sobral faz aninhos

e eu vejo o tempo passar no beco do cotovelo

Sobral faz aninhos

e eu ando pela cidade com novas feições

Sobral faz aninhos

e eu deito versos no vento

Sobral faz aninhos

e eu fico a escutar sílabas eólicas

Sobral faz aninhos

e eu envelheço junto a cidade

Sobral faz aninhos

e o céu bonito me diz que vai chover

Sobral faz aninhos

e o sol volta outra vez

Sobral faz aninhos

e o silêncio do feriado nas ruas me invade

mas tudo é festa e há festa em tudo. (05\07\24)

Até que eu volte



baby, tu ainda dormes

e eu estou na estrada

longa estrada sobre uma bicicleta

baby, tu ainda dormes

e o calor do meu corpo ficou ao teu lado

aquecendo-te até que eu volte. (07\07\24)

sexta-feira, 7 de junho de 2024

Mortalha

 

Escolhi minha mortalha

Usei -a entre os mortais

Usei-a sem pagar promessas

Fui franciscano por vários dias

Sinto que ainda o sou por este mundo

Meu epitáfio um dia escreverei

Tomara que dê tempo

Antes da morte chegar. (06\05\24) 

Revelação matinal

 

O poeta olha o tempo pela janela aberta

Come uma banana doce como os lábios de Iracema

Seu olhar alcança distâncias

Depara-se com o infinito

Onde tudo finda. (03\05\24)

 

Nova jornada

 

Sob o sol envelheci

Sob o céu compreendi o que é infinito

No mar constatei o que aprendi sob o céu

Minhas andanças concluem ciclos

A esperança faze-me dar novas passadas

Na longa estrada na qual deito os olhos

Contando sessenta anos

Encetando uma nova jornada. (17\05\24)

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Metáfora matinal

 



sentir o mundo

sentir-me

todo sentimento

que couber em mim

sentir sempre

o tempo todo

e transbordar o cálice

como se vinho fosse. .

Discurso do meu olhar

 



baby, tira os olhos do celular

e deita-os em mim

navegue na minha nau de desejos

leia minhas lendas

decifre minhas imagens

fixa esse olhar perdido no meu rosto

baby, o tempo passou

o dia terminou

envelhecemos sob o céu

e nem me percebeste.

Revelação matinal

 

O poeta olha o tempo pela janela aberta


Come uma banana doce como os lábios de mel de Iracema

Seu olhar alcança distâncias

Depara-se com o infinito

Onde tudo finda. 

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Revelação vespertina

 Espelho, amigo verdadeiro


Venho a ti com o meu olhar de agora

Tu me revelas como estou

Não me ocultas nada

Afago meu rosto diante de ti

Sondo o que me exibes

De nada discordo

Deslizo os dedos nos cabelos brancos

E me vou sem mágoas do meu amigo.



O verso que inicia o poema é de Manuel Bandeira  

Saber matinal

 

o vento sabe meu nome

leva-o aos teus ouvidos

o vento sabe meu nome

e levanta tua saia

o vento sabe meu nome

e brinca nos teus cabelos

o vento sabe meu nome

desliza-o no teu corpo

o vento sabe meu nome

e isso me basta. 

 

O verso que se repete serve de título ao livro de Izabel Allende 

 

 

 

Palimpsesto vespertino

 



tudo jaz

porque a profecia se cumpriu

nem uma sílaba foi poupada da promessa

as dores do céu se irmanaram as dores da terra

não ficou pedra sobre pedra

e as que tinham garganta gritaram.

sexta-feira, 8 de março de 2024

Na parede

um prego no espelho

segura-o na parede

conta uma história

como se fosse um livro

um prego no espelho

sem moldura

fica alto do chão

um prego no espelho

brilha como se fosse um olho

vendo tudo envelhecer diante de si. (19\02\24) 

 

Saber matinal

 


o vento sabe meu nome

leva-o aos teus ouvidos

o vento sabe meu nome

e levanta tua saia

o vento sabe meu nome

e brinca nos teus cabelos

o vento sabe meu nome

desliza-o no teu corpo

o vento sabe meu nome

e isso me basta. (07\03\24)



O verso que se repete serve de título ao livro de Izabel Allende 

 

inominavel





o que eu sinto não tem nome

sinto apenas

sinto muito

não sei por que sinto algo inominável

neste dia oito de março

cubro-me de indagações

amparo-me na lógica

e nada concluo

e nada tenho como resposta. (08\03\24)

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

De fato



data de nascimento
data de morte
começo e fim
realidade que nos torna iguais
nos sete palmos de terra
onde repousamos de fato. (01\02\24)


Na esquina



vi o travesti sob o céu noturno
de pé ereto na esquina
como se fosse um poste
sendo a metáfora de um falo
transeuntes olham-no com estranheza
carros vão e vem no tempo que passa
o travesti não tem relógio no pulso
mas doma o tempo na sua longa espera.

O poema



não tenhas medo, ouve:
é um poema
leva-o no teu coração
ou na tua memória
aproxima-te de mim
eu sou apenas um poeta
trago poemas nos bolsos
jogo-os no ar como se fossem pombos
vejo-os cair no chão da cidade
longe dos teus olhos
ignorados pelos transeuntes.

Os dois versos que iniciam o poema são de Miguel Torga

sábado, 6 de janeiro de 2024

Era um garoto negro como eu



era apenas um garoto mijando ao lado de um carro
era um garoto mijando em Mississipi
um garoto negro
negro como a noite
mijando o dia de Mississipi
deteram o garoto na viatura
condenaram-no por verter água
traumatizaram sua vida por inteiro
Mississipi vai pagar por isso?
era apenas um garoto negro como eu
que fez xixi em Mississipi. ( 16\12\23)

Ao grande - kiskadi



bem te vi
bem-te-vi
bem te ouvi
apresentou- se a mim sem alcunhas
nesta manhã
bem-te-vi
bem te vi
chegaste sem rodeios
ficaste dizendo-me quem tu és
e quando te foi conveniente
foste embora. (19\12\23)

Noite (in)feliz



noite feliz
só que não
guerras no ar
inocentes mortos em Gaza
excessos e faltas nos lares
nessa dialética o tempo passa
a cidade pisca com suas luzes
e o menino Jesus sempre vem
com ou sem manjedoura. 

Nos meus olhos



vejo manequins decapitadas no shopping
ou elas perdem a cabeça quando me veem?
hoje ao entrar numa loja
uma manequim branca como a neve
exibiu -me os seios pequenos
apontados para mim como se fosse um dedo em riste
fui até eles e cobri-os para que aquela beleza
não caísse em outros olhos. (23\12\23)