Meus cabelos ao vento
Quase todos brancos
Acenam,
Refazem gestos
Rendem-se à pressa
Da minha sombra...
Meus cabelos ao vento
Quase todos brancos
Acenam,
Refazem gestos
Rendem-se à pressa
Da minha sombra...
Ainda é tempo de nos olharmos
Ainda é tempo de caminharmos juntos
Ainda é tempo de fazermos as mesmas pegadas
Nos mesmos caminhos
Ainda é tempo de lermos poesia
Sentados no alpendre aguardando o sol
Ainda é tempo de nos tornarmos deuses
Ainda é tempo de sermos eternos
Num tempo veloz e breve...
Deus une
O homem separa
O homem une
Deus separa?
A morte separa!
Une os seres em algum lugar?
O que eu não disse,
Que não fique por dizer.
A poeira que deixei no teu corpo
Partirá no próximo vendaval...
Os poemas que te dei
Seguirão o mesmo destino.
Bailarão no céu
Sugarão a lua
A treva absoluta
Extinguirá o que fomos....
Houve um tempo
Não existiam.
Os pássaros tinham pulsos
E sonhavam como os homens.
Os lírios do campo contemplavam os pulsos
Dos homens, dos pássaros
Que pulsavam velozes,
Desatando caminhos....
Se roubarem as flores do meu jardim
Se devorarem o rebanho do meu primogênito
Se beberem toda água do meu riacho
Se queimarem todos os meus versos
Se profanarem a terra dos meus ancestrais
Se semearem joio entre o nosso trigo
Se comerem o nosso pão
Se levarem os nossos mitos
Se levarem minha pedra de estimação
Irei ao encontro deles com a minha espada
Sedenta de sangue
E faminta de carne ...
(Publicado na revista mundo jovem em 1992)
O poema que eu não fiz
Que ninguém o faça
Que ele se refaça
Nos seios esqueléticos
Das mudanas que eu não conheci...
Que ele sangre das pedras
E se transforme em pães
Para alimentar os filhos
Os filhos que eu não fiz
Que ele grite nas capoeiras
Que ele dance ciranda
Que ele pule nas praças
Que ele fecunde os ventres
Todos os ventres sedentos
E faça com que nas madrugadas
Surjam choros inéditos
Novas crianças
O poema que eu não fiz
Que ninguém o faça
Que ele se refaça
No seu silêncio...
O rato que roeu a corda
Foi o mesmo que roeu a roupa do rei.
O que roeu o pezinho da princesa
Eu não sei
Ninguém sabe.
Todos os ratos morrerão
Por ordem do rei....
Perco-me entre palavras
E sílabas inquietas.
Quando volto a mim
Sinto-me abatido.
Tu me chamas, fecho o livro,
Nego-te os ouvidos...
Este trono de merda é só meu
Trono fétido por natureza,
Se é que tem natureza o objeto de sua constituição...
É nele que faço minhas leituras
É nele que busco palavras
É nele que busco poemas
É nele que cago e mijo.
Este trono de merda é só meu
Não o divido com ninguém
Comprei-o com meu próprio dinheiro
Finquei-o a terra usando minhas forças
Trono plebeu!
Trono fétido!
Trono verde indivisível...
Trago enigmas fatigados nas mãos
E fartos cabelos brancos na cabeça.
Minhas pálpebras estão exaustas
E o meu olhar nega-se a contemplar
Esse mundo caduco.
Este céu que nos cobre causa-me tédio.
Mas ainda há palavras em minha boca, posso feri-los
Posso jogá-las no vácuo ou aprisioná-las
Entre as unhas.
Senhores, sou inofensivo,
Verbalizar sentimentos não significa
Um ataque,
Concretiza o medo que se faz defesa.