sexta-feira, 8 de agosto de 2025
Poema pra rezar
quando me negarem a justiça justa
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando em minha casa não me reconhecerem e eu precise dormir na rua
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando o médico me negar atendimento desdenhando do meu plano de saúde
fazei me-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando arrancarem as sementes por mim semeadas nas mentes juvenis
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando me destinarem calúnias fazendo-me chorar
fazei me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando se apossarem da minha mesa farta e nada me restar para saciar a fome
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando me levarem as vestes deixando exposta minha nudez
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando rirem do meu sermão nas ruas da cidade
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando roubarem minha bicicleta e eu precise andar longas distâncias
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando me deixarem sem as sandálias fazendo-me ferir os pés
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando a irmã morte levar aqueles que eu mais amo
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
e embora eu não cante que eu fique em paz.
Desde que eu nasci
esqueço
lembro
vivo a lembrar e a esquecer
memórias e esquecimentos vão e vem
habitam na minha mente
vejo minha alma com feridas
quando me vem o calvário
quando me pesa a cruz
no vale de lágrimas
da pesada existência.
olho a vossa face de mãe e rainha
na imagem sobre a mesa onde faço poemas
e vos peço leveza do fardo que me entorta
desde que eu nasci.
De uma das linhas de Ferreira Lima
aprendi espiando teu corpo nu por trás das cortinas transparentes
aprendi espiando letras penduradas no varal sendo cantadas pelos poetas
aprendi espiando o nascimento do sol em cada manhã
aprendi espiando o sol que ficou nos meus olhos
para que eu o levasse pelas estradas escuras do meu viver
aprendi espiando as linhas tortas das tuas mãos
aprendi espiando a tua poesia nas páginas dos livros
aprendi espiando os teus rastros textos longos
que tu deixavas para trás
aprendi espiando como se fosse um pavão misterioso
aprendi espiando a minha juventude que se foi
aprendi espiando as trevas com a luz dos olhos meus
aprendi espiando as dezenas do meu terço matinal
aprendi espiando e muito eu quero olhar
até minha última respiração.
sexta-feira, 4 de julho de 2025
Da lua cheia II
sob a lua cheia
o poeta anda com o peso da existência nos ombros
sob a lua cheia
o poeta chora porque a dor se fez adaga afiada
e perfura-lhe sem piedade
sob a lua cheia
o poeta ergue os braços buscando acolhida de um abraço
sob a lua cheia
o poeta desenha andanças no chão da sua aldeia
e percebe que a lua anda pelo céu da cidade
sob a lua cheia
lua andarilha, poeta andarilho
sob a lua cheia
o poeta encontra outra lua de carne e osso
bailarina da princesa do norte
sob a lua cheia
o poeta canta uma canção e adormece.
Da lua cheia I
sob a lua
minha alegria deseja um poema
falta-me um conhaque
faltam-me palavras
falta-me perder o juízo
transbordo encantos
sob a lua
vou-me pela rua
alcanço as trevas e a luz lunar
brilha nos meus olhos
sob a lua
o poema nasce em mim
cheio de luz
da lua cheia.
Dos instantes
Para minha irmã Liduina Melo dos santos - In Memorian
só coisas boas iriam acontecer
contigo cantei
como se rezasse uma oração
contigo vivi infâncias
e nos agarramos nas caudas das lendas
que nos deixaram sob o arco íris
contigo alcancei minha juventude e velhice
num tempo veloz que faz tudo ser por um triz
contigo bebi da tua alegria
que me trouxe música e dança
sem ti ficarei sem nenhum verso
bem menos poeta
sem ti
eu morro de saudades. (16\06\25)
sexta-feira, 6 de junho de 2025
No quarto do meu filho
vi Tatiana nua no calendário de 1994
encontrei-o amassado dentro de um livro
desamassei a folha e lá estava ela
com poucos seios e uma bunda abundante
Tatiana jovem mulher de 1994
descobri sua nudez em 2025 numa manhã de domingo
no quarto do meu filho.
Profecia de final de maio
a poesia que se cala tem os ouvidos do silêncio?
a poesia escrita nos guardanapos sobreviverá?
a poesia que eu engendro na minha mente pesará junto a existência?
um poeta cheio de fé ergue-se diante das tantas indagações
fica maior do que elas e me diz que a poesia será ouvida nos becos,
no café da manhã, nos corpos dos amantes, nos cultos e nos altares
ela gritará com a fúria que lhe é peculiar.
No meu viver
desde cedo, a morte sempre me rondou
suas narinas afagam minha nuca
seu hálito fétido apossou-se do ar que eu respiro
e a minha poesia se mostra pesada da sua presença
meus versos não omitem os meus medos
nem a perseguição dela no meu viver.
segunda-feira, 19 de maio de 2025
Em uma noite de maio
pandora sob o céu conduzindo um vaso ou uma caixa?
o que ela conduz é leve ou pesado?
o mal está aprisionado no vaso ou na caixa?
pandora me destina um sorriso e ensaia uma traquinagem
compreendo que o que está nos seus domínios não é bom
e se a bela dama vacilar não ficará pedra sobre pedra.
Consolo (in)certo
as mães vão embora
às vezes avisam, as vezes é intenso o silêncio
as mães vão embora de dia ou de noite
nenhum rei do mundo pode mover céus e terra
para que elas fiquem
as mães vão embora
e o filho sendo um grão de milho ou uma árvore frondosa
fica a lamentar entre os mortais
reza, choro, vela acesa, joelho dobrado
não conseguem trazê-la de volta
resta ao enlutado o consolo divino.
Ainda sexagenário
60 + 1
uma nova contagem
um novo ciclo
uma janela que se abre ao lado de uma porta
duas possibilidades entre incertezas
minha certeza é que tudo acaba
num piscar de olhos.