quarta-feira, 19 de novembro de 2025

(In)domável



sou poeta desta cidade há mais de 30 anos
e ainda estou no espelho do anonimato
andando pelas ruas, sou visto e reconhecido?
sei que sou poeta desta urbe
o que ela sabe de mim?
vou e volto, vivo e morro
nestas idas e vindas
e ela nada sabe das minhas travessias
sou indomável, sou poeta
penduro poemas nos varais
solto minha voz no ar
avolumo poemas nos livros
o vento leva-os para longe?
mas para onde?
vasta é esta cidade mais vasto é o meu coração
terra que ninguém anda.

Coração de poeta



meu coração não é terra de ninguém
é terra desconhecida no meu peito
teus passos não ficaram lá
teu cheiro não domou minhas narinas
só Deus sonda estas terras do meu lado esquerdo.

Em tudo



outubro chegou ao fim
vejo-me mais moço
transbordando esperanças pelos poros
a felicidade fez-me companhia
e a solidão não deu as caras por aqui
não me faltou palavras para um poema
porque a poesia é minha amiga
e eu a vejo em tudo até na minha caneca dileta.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

De uma memória Juvenil

 


quando tu vinhas sob o sol matinal

com aquela farda do colégio Sant’Ana

tu eras mais linda do que o cavalo dileto do faraó

tu me abrias um sorriso e eu lhe destinava outro bem maior

eu a queria tanto mas tu a mim nem um pouco.  

Por um instante

 

sigo uma ilusão de olhos azuis

sua cintura é bem desenhada

revelando a bela imagem das suas ancas

suas pernas firmes vão a minha frente

consola-me segui-la pois ainda sou jovem

tenho todo o tempo do mundo

nas linhas das minhas mãos

e ainda não temo a morte

com ela tudo é incerto

mas eu a quero mesmo assim

nem que seja por um instante.

 

 

O que me resta

 


as vezes só me resta um gemido

as vezes só me resta o teu olhar

as vezes só me resta um aceno de um desconhecido

as vezes só me resta uma punheta

as vezes só me resta escolher uma estrela solitária

assim como eu no imenso céu

as vezes só me resta a memória da tua nudez

as vezes só me resta um sonho picante da noite passada

as vezes só me resta a tua bunda que tu me exibes no instagram

as vezes só me resta uma folha em branco na qual se desliza

uma esferográfica buscando um poema e nada mais. 

 

 

 

 

 

sábado, 13 de setembro de 2025

De um sopro de Djavan



o sol dobra a esquina, baby…
estas reticências omitem a continuidade do verso?
estas reticências calam a voz para que o silêncio fale?
estas reticências se deixam dizer ou se calam?
baby a esquina não é uma linha reta
e só eu sei quantas conheci sob o sol. 

Clamare



sirvo-te desde minha juventude, oh inspiração!!
vinde a mim, os meus leitores estão a cobra-me poemas
tenho dito a eles que tu me abandonaste
deitei nos versos o que me davas
segui teus comandos, silêncios e fúrias
vinde a mim, oh inspiração!!
transformai em poesia a borboleta transparente
que prendia o cabelo de uma dama que eu vi distante
e ainda está na minha memória
vinde inspiração, vinde!!

No olhar matinal do poeta que amanhecia o novo dia



nesta manhã de 7 de setembro de 2025
o sol amanheceu com cara de lua cheia
vi a lua sobre o sol
sol e lua bem fundidos
tal qual a+a gerando crase
vi a lua cobrindo o sol
a lua e o sol numa foda intensa
vi-os nas alturas celestiais
e eu amanhecia na longa estrada
sobre uma bicicleta. 

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Poema pra rezar



quando me negarem a justiça justa
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando em minha casa não me reconhecerem e eu precise dormir na rua
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando o médico me negar atendimento desdenhando do meu plano de saúde
fazei me-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando arrancarem as sementes por mim semeadas nas mentes juvenis
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando me destinarem calúnias fazendo-me chorar
fazei me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando se apossarem da minha mesa farta e nada me restar para saciar a fome
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando me levarem as vestes deixando exposta minha nudez
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando rirem do meu sermão nas ruas da cidade
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando roubarem minha bicicleta e eu precise andar longas distâncias
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando me deixarem sem as sandálias fazendo-me ferir os pés
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
quando a irmã morte levar aqueles que eu mais amo
fazei-me recordar a perfeita alegria, são Francisco de Assis
e embora eu não cante que eu fique em paz.

Desde que eu nasci

 esqueço

lembro

vivo a lembrar e a esquecer

memórias e esquecimentos vão e vem

habitam na minha mente

vejo minha alma com feridas

quando me vem o calvário

quando me pesa a cruz

no vale de lágrimas

da pesada existência.

olho a vossa face de mãe e rainha

na imagem sobre a mesa onde faço poemas

e vos peço leveza  do fardo que me entorta

desde que eu nasci. 

De uma das linhas de Ferreira Lima

 aprendi espiando teu corpo nu por trás das cortinas transparentes

aprendi espiando letras penduradas no varal sendo cantadas pelos poetas

aprendi espiando o nascimento do sol em cada manhã

aprendi espiando o sol que ficou nos meus olhos

para que eu o levasse pelas estradas escuras do meu viver

aprendi espiando as linhas tortas das tuas mãos

aprendi espiando a tua poesia nas páginas dos livros

aprendi espiando os teus rastros textos longos

que tu deixavas para trás

aprendi espiando como se fosse um pavão misterioso

aprendi espiando a minha juventude que se foi

aprendi espiando as trevas com a luz dos olhos meus

aprendi espiando as dezenas do meu terço matinal

aprendi espiando e muito eu quero olhar

até minha última respiração.