domingo, 8 de março de 2009

Constitucional

Tens domicílio inviolável
Tens liberdade de expressão
Não serás torturado
Mas um outro dia vem
E nos revela em plena luz
A outra face da lei...

Inocêncio de Melo Filho

Reencontro

Quando as pedras se encontrarem
Contemplarei sua face
Seu cheiro invadirá minhas narinas
Nossas memórias despertarão
Nos reconheceremos
Sem nos darmos às reflexões.

Inocêncio de Melo Filho

A grande arte de Nilto Maciel

Inocêncio de Melo Filho

"A leste da Morte" (2006) é o livro de contos mais recente de Nilto Maciel. Belo título inspirado no "A leste do Éden" de John Steinbeck. Bela capa. Sua arte externa nos atrai, encantando-nos. Lendo-o percebemos que esta obra é bem mais que estética externa. Na sua estética interna encontramos inteligência, criatividade, linguagem bem tecida.
Os contos de "A leste da Morte" transbordam mistérios, sonhos, delírios, lirismo, situações metafísicas, marcas surrealistas, que podem servir de características identificadoras da literatura de Nilto Maciel, ao lado de intensas manifestações dotadas de um certo realismo mais fantástico do que mágico. "A leste da Morte" é uma confirmação de que "a literatura nasce da literatura" do título ao seu miolo. O narrador na sua travessia nos cita obras, autores, um senso de leitor e de leituras próprio de um escritor que se acorrenta às universalidades e se liberta na sua escritura.
Vale salientar ainda que o narrador dos contos de Nilto Maciel entrega-se intensamente às indagações, eternas indagações, que não quebram o ritmo do discurso nem cansam as retinas do leitor. Encaremos esta realidade existente em "A leste da Morte" como uma necessidade que completa a metafísica dos textos e a própria narratividade que busca um diálogo que não se constrói, por ser feita num discurso indireto. A ficção de Nilto Maciel "consegue imitar a vida matando-a", para que ela renasça como se fosse uma espécie de fênix, atribuindo as suas personagens (algumas extraídas de outros textos), um novo destino, uma nova vida, um outro contexto histórico sem perder a verossimilhança. A prosa de "A leste da Morte" não deixa que o delírio, o sonho e o lirismo lhe alienem. Mostra denunciando e denuncia mostrando o desemprego, a pobreza, a violência, a poluição, o caos urbano, as paixões, o ciúme, o trabalho infantil... Estas realidades humanas humanizam a literatura de Nilto Maciel tornando-a universal.
A molecagem do povo cearense encontra-se presente em várias obras da nossa literatura. Serve-nos de exemplo "O mundo de Flora" (1990)- Ângela Gutiérrez e "O dia em que vaiaram o Sol na Praça do Ferreira" (1983) - Gilmar de Carvalho. Neste novo livro de Nilto Maciel no conto "Chão Pintado de Sangue", também se registra o espírito moleque do povo do Ceará num espaço real que acolhe ainda hoje as grandes manifestações dos fortalezenses: Um dia caminhava pela calçada da praça na direção da Guilherme Rocha. Diante do Cine São Luiz, um mendigo comeu uma banana e lançou a casca ao chão. Sentou-se junto à parede e se pôs a olhar para as pessoas que batiam palmas ou vaiavam o rapaz barbudo e de roupas exóticas, em pé no banco, a vociferar: O poema é um punhal que brilhará na carne dos condescendentes. Seus reflexos parirão estrelas que habitarão o céu. Marinas cintilarão como ametistas nas bocas dos desvalidos. Imensas pérolas de enfeite da grande festa anunciada. Nas ruas novamente habitadas por benjamins, sorrisos, brisas nos dentes de marfim, onde se inscreverão os versos dos decapitados. Nesse momento George voltou a vista para o espetáculo, pisou na casca de banana e caiu espalhafatosamente. Livros e cadernos se espalharam na calçada do cinema. Uns deram vaias, outros riram. (P.63) A poesia, o ensaio e a resenha vão aos poucos se expondo no corpo da ficção de "A leste da Morte", nos revelando que o escritor sabe lidar com esses gêneros e é capaz de misturá-los na sua prosa sem danificá-los. O conto "Chão Pintado de Sangue" citado anteriormente, nos manifesta exemplos identificadores de poesia. Um desses exemplos pode ser percebido na transcrição acima.
Nos contos "Lilith Segundo Paspa Tordre" e "Para Escrever o Caminho do Nada", o narrador nos apresenta livros, autores, personagens, faz descrições, sínteses, menciona opiniões críticas de outros autores, propondo assim, uma estrutura própria de resenha ou de ensaio. No conto "Caim e Abel" pode se perceber que Caim e seu irmão se atracam, estão em conflito, são adversários. Vivem esta realidade nas várias fases das suas vidas, sendo Abel o melhor em todas as suas performances aos olhos do pai. É neste contexto que o enredo se inverte, mostrando-nos Abel na condição de opressor e Caim na de oprimido, fazendo-nos pensar que o narrador dará outro rumo à história, mas não é bem isso que acontece. Ele se rende ao final que o leitor já conhece. Neste conto de Nilto Maciel a história de Caim e Abel é recontada, numa dimensão extremamente humana, desligada dos laços divinos. O narrador nos expõe à família, os afetos paternos destinados a Abel e as ofensas a Caim que acumula mágoas no seu coração. Os sentimentos maternos equilibrados não podem modificar o discurso patriarcal, nem evitar que o pior aconteça. Caim e Abel são duas personagens que não podiam ficar detidas aos universos do livro sagrado. Elas são referências de reflexões sociológicas e reflexos de uma falência familiar e afetiva. A literatura tem assimilado essa ideologia, é por isso que ela vem imprimindo-as nas suas páginas.
Quem conta um conto aumenta um ponto. Esta afirmação procede ou será apenas uma construção frasal sonora que se reproduz nas bocas dos falantes? Não depreciemos esta afirmação que é por demais verdadeira. Cada narrador narra uma única historia de forma diferente, usando recursos próprios... Isto se comprova em "A Mulher Cortada" e "Na História da Maçã" em "As Mil e Uma Noites". Em Nilto Maciel esse procedimento narrativo também é visível no conto "Um Passarinho". Tal qual Xerazade os habitantes de Anipar do conto "O Último Vôo de Rapina", descobrem que narrar, contar seus sonhos, permite-lhes continuar vivendo. As narrativas desse conto são marcadas pela originalidade e seguem um plano hierárquico.
Retornamos ao conto "O Último Vôo de Rapina" porque há nele um exemplo de antropofagia, que se difere dos demais registrados pela nossa literatura. A concretização desse ato antropofágico é comunicado e concedido pelo ser dominador (Rapina), a resistência se faz nos subordinados (aniparenses), que ainda desconhecem o sabor da liberdade: (...) Em outro sonho, o chefe espiritual de vocês, o pajé, o xamã, seja lá como o chamem, dará a seguinte ordem: "Enquanto ela estiver dormindo, vocês amarrarão pernas e bico e arrancarão as penas. Impedida de voar e de me defender, vocês a sacrificarão, queimarão e comerão a carne, para que adquiram os poderes dela".
O terceiro sonho terá um pouco de cada um dos outros, com um final diferente: Eu me livrarei de vocês e voarei para o mais longe daqui, para nunca mais voltar, e vocês ficarão nesta terra como sempre estiveram. "Boquiabertos, os habitantes de Anipar se prostraram diante da ave: Não, não queriam aqueles sonhos. Não queriam o paraíso nem voar nem devorar Rapina. Queriam apenas a mesma vida de sempre (P.152). Alguns dos contos de Nilto Maciel nos aproximam de outros textos e autores ainda vivos em nossa memória quando o narrador assim se expressa: "Para que aqueles olhos arregalados? Para te ver melhor" – "Chapeuzinho Vermelho" – Charles Perrault. "O Tarado seminu, mal cobertas as vergonhas". – "Carta de Pero Vaz Caminha". "Nos verdes mares bravios." – "Iracema" – José de Alencar.
A posse integral ou reformulada destes termos guiados pela consciência ou inconsciência, revelam algumas das leituras diversificadas feitas pelo escritor. A presença do mar na literatura cearense é um fato real na poesia e na prosa. Na ficção de Nilto Maciel o mar simboliza o medo quando comparado a um "monstro que ruge em fúria" e acolhimento quando o narrador nos diz: "Examinou os dizeres do vento. Fechou os olhos para ouvir mais a voz do mar". (P. 132). Como se vê, a existência do mar subtende a presença eólica, ou seja, do vento, que se desvela em algumas das narrativas de "A leste da Morte", substantivando-se e personificando-se.
"Os escritores não são cantores populares", mas Nilto Maciel é dono de uma farta fortuna crítica e bibliográfica. Sua literatura se insere no rol dos nossos autores contemporâneos e "A leste da Morte" é a sua grande arte, digna de todas as atenções dos leitores e estudiosos da literatura cearense e brasileira.


Inocêncio de Melo Filho-professor,colaborador,do curso CLE-UVA/IVA.

sábado, 7 de março de 2009

transubstanciação





Iracema voou
Para a América ...(Chico Buarque)

Iracema não voou
Petrificou-se desnuda na beira- mar
Seu arco e flexa não ferem o vento
que brinca na sua vagina
em todas as estações.
Os verdes mares e os transeutes
contemplam sua fortuna anatômica
totalmente transubstanciada.
Inocêncio de Melo Filho

Propósito

Vou te esquecer em paris
Conseguirei?
Intenciono banhar-me no sena
E lavar minhas roupas
Para que seu cheiro não alcance
A minha memória.


Inocêncio de melo filho

Clamor


Ó Cristo pendurado na cruz
Meu blusão é azul
Mas minha angústia não tem cor
Inquieto-me e lanço meu olhar a todos
Nada colho
Vou-me convicto da solidão.


Inocêncio de Melo Filho

sexta-feira, 6 de março de 2009

Dileto

Não conheci Drummond
Mas conheço Francisco Carvalho
Minha alma se completa
Com o saber deste poeta

Não conheci Drummond
Mas conheço Francisco Carvalho
Sacrário das memórias
Da poesia universal

Não conheci Drummond
Mas conheço Francisco Carvalho
Anjo erótico
Desvelador do sexo potável

Não conheci Drummond
Mas conheço Francisco Carvalho
Quem o conhece
De outro poeta não carece..

Inocêncio de Melo Filho

Drummondiando


Nenhum anjo torto
Mandou-me ir ser gauche na vida
Ouvi minha voz imperativa
E fui-me.


Inocêncio de Melo Filho


Paráfrase

Onde há carne há solidão (Lêdo Ivo)
Onde há carne
Há aço
Mormaço
Montanha
E queda
Onde há carne
Há morte
E jazigo
Verme
E podridão
Onde há carne
Há tese
Em suma
Em sumo
Onde há carne
Nada há.

Inocêncio de Melo Filho

Cotidiano

Para Ana Paula Arósio

O que diria Camões se visse os seus olhos?
O que diria Drummond se visse o seu corpo?
O que diria Bocage se visse os seus seios?
O que diria Ferreira Gullar se visse a sua cor de neve?
O que diria Manuel Bandeira se ficasse
Alumbrado diante dos seus lábios?
Indagações, intensas indagações
que não abandonam o meu cotidiano.

Inocêncio de Melo Filho

Constitucional

Tens domicílio inviolável
Tens liberdade de expressão
Não serás torturado
Mas um outro dia vem
E nos revela em plena luz
A outra face da lei...

Inocêncio de Melo Filho

Falta

Para Dênis Melo

Hoje é sábado
A mulher dileta não passará
Tu não virás
E a mesa do bar se cansará
De lhe esperar.

Inocêncio De melo Filho

Eu

Eu sou um poço de desejos
Tudo me falta
Mas o vento da lua cheia
Enche os meus olhos de metáforas
Tornando-me menos pobre

Inocêncio de Melo Filho