sábado, 15 de março de 2025

Revelação vespertina



Affonso Romano de Sant'anna morreu e eu também
dormi demais, pouco vivi
li sua poesia
afaguei seus livros na estante
pesou sobre mim a tristeza
Affonso Romano de Sant'anna morreu
e eu também morri ao acordar com a voz do meu filho
com a notícia nos lábios. (04\03\25)

Sempre presente



as feridas da alma não saram
fazem uma pausa no grito
o clamor se rende ao silêncio
ordenado pelo tempo
uma fala
uma ideia
um gesto
uma lembrança
uma insinuação…
finda o pacto
e o peito abre-se outra vez bem mais feroz
revelando uma dor acumulada.

Novo poema



Na fia
eu espero
na fila
eu fico exausto
na fila
eu exercito as panturrilhas
na fila
eu rezo
na fila
eu busco a poesia
na fila
eu a encontro latejando em uma mulher
na fila
eu estou a parir um novo poema.  

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Poema vespertino

indago se a poesia está bem aqui

perto do que eu vejo e sinto

diante de ti silencio minhas perguntas

és a poesia que eu procuro

afirmo para mim mesmo

fico a pensar nos teus olhos grandes

que não me veem. buscando em ti

versos para um poema vespertino.

No cotidiano dos mortais

o homem bota gente em cima da terra
o homem bota gente embaixo da terra
cruzes se avolumando nas laterais das estradas
e nos cemitérios
o dia vai, vem a noite
vem um novo calendário e um novo ano
e o tempo não fica exausto de passar
as imagens e as cenas se repetem
no meu cotidiano de mortal
seria essa a missão do homem
até a sua última respiração?

Enquanto respiramos

 

do nascer ao pôr do sol

a morte nos espia de cócoras

as vezes masca fumo

as vezes olha o pulso onde o tempo passa veloz

entre os ponteiros de um relógio velho

estamos sob o seu olhar

nas nossas idas e vindas tecendo ilusões

enquanto respiramos. 

 

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

No poema

 A poesia está no teu corpo branco


A poesia está nos teus cabelos amarrados

A poesia está na estampa das tuas pernas

A poesia está no meu olhar que te segue

E quase a perdeu de vista

A poesia está na distância que nos separa

A poesia está no teu rosto que eu não guardei na memória

A poesia está no teu nome que eu não sei

E no tudo que tu és que eu desconheço

A poesia está nos teus enigmas

A poesia está neste encontro que só eu confirmo

Neste novo poema. 

Visível



Recebo uma nova idade neste dia 18\05\23

Num tempo que passa

Na vida que finda

Na presença da morte que reina no mundo

Recebo uma nova idade e mais velho estou

Tenho muito para dizer por que vivo entre a cruz e a espada

Vivo entre o bem e o mal

Sendo santo e pecador

Recebo uma nova idade com alegria

Me conduzo numa bicicleta para outra cidade

Exibindo-a visível no meu corpo

Que está ficando antigo.

De uma das linhas de Flora Figueiredo

Permita-se doer de dor bonita


há tantas dores feias por aí

que esta dor nos faça cantar

porque já chorei demais

permita-me amiga doer com essa dor

que tu me trazes no teu poema

tão rara em nosso viver. 



O primeiro verso é de Flora Figueiredo

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Na tua presença



teus cabelos negros longos
alcançam as tuas ancas
tua voz me chega aos ouvidos
o teu sorriso se põe diante dos meus olhos
saboreio uma metáfora no teu olhar
e a inspiração se apossa de mim
mas logo te vais deixando-me com palavras
que irão se acomodar em um poema.

Na cozinha com Deus

 

eu e Deus rimos muito na minha cozinha

rimos das minhas besteiras

rimos quando eu confundo açúcar com sal

e café com Nescau

nossas risadas incomodam minha esposa

que vem nos ver ainda entregue aos risos

sonda o que nos faz rir e se vai

mais sisuda que de costume. (04\11\24) 

Desejo

 

ouço o estalar do elástico da tua calcinha

vejo tua mão ajustando-a no teu bumbum

vejo tua mão tirando-a da regada

o estalar do elástico da tua calcinha

ecoa nos meus ouvidos

fazendo vir a mim a poesia

que eu tanto desejo. (02\12\24)